segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Palacete abandonado é único na arquitectura portuguesa dos “torna-viagem”

 

  O Palacete de Fafe “surge, assim como uma obra que não tem paralelo na arquitetura portuguesa, nem mesmo procurando entre os mais vistosos chalets da burguesia ou em exemplos mais ou menos torreados de casas de “torna-viagem”

 Domingos Tavares *

 

O palacete, de estilo “chalet”, de dois pisos com planta em L, integra um torreão com terraços e um jardim.

A sua distribuição interna apresenta cave com espaços de serviço; primeiro piso, com zona nobre, composta por sala de jantar, e salas de estar, e num dos corpos cozinha.

Segundo piso com quartos, salas, sanitários e banho, e pisos superiores do torreão com quartos. Dependências interiores sem comunicação entre si, servidas por vestíbulos e corredores.

Decoração exuberantemente pintada, conjugando alguns elementos neobarrocos com arte nova, nas madeiras dos lambris, frisos florais pintados nas paredes, integrando padrões decorativos assimétricos, bandeiras pintadas com paisagens e tectos em estuque pintados. Cozinha e casas de banho com azulejos simples, com frisos arte nova, e motivos florais estilizados.

 


Há muitos anos sem ser utilizado. O palacete anexo ao Centro de Emprego de Fafe, na rua José Cardoso Vieira de Castro, encontra-se votado ao abandono e os elementos naturais de erosão, vão desgastando o imóvel.

Este belo exemplar de Arte Nova com inspiração francesa foi mandado construir em 1912 por Manuel Rodrigues Alves, natural do Porto e que viria a casar com a poetisa fafense, Soledade Summavielle Soares, neta paterna do ilustre “brasileiro” de torna-viagem, José Florêncio Soares e de Maria Teresa da Costa, primeiros proprietários de outro extraordinário imóvel de influência brasileira, também devoluto, localizado mesmo em frente ao Teatro-Cinema local.

Nos anos 60, José Summavielle Soares recebeu a casa por herança, vendendo-a mais tarde a Alberto Leite Dantas.

Em 1984 o executivo camarário promoveu a classificação do palacete como “Imóvel de Interesse Concelhio”, pelo seu “interesse e valor ao nível artístico, histórico e cultural”.

A Câmara Municipal chegou a fazer um projecto visando a recuperação do imóvel, orçado em 130.000.000 escudos. Outra hipótese era uma intervenção parcial que custaria 70.000.000 escudos. Nenhuma das intenções foi viabilizada e a “nobre casa” acabou por ser adquirida, em 1986, pelo Ministério do Trabalho para instalação do Centro de Emprego e Formação Profissional de Fafe, construindo-se um edifício de raiz na zona das antigas cavalariças da casa, ficando o imóvel principal, praticante sem utilidade.


Reprodução do "Almanaque Ilustrado de Fafe", 1914

Na época em que este palacete foi construído (1912), alguma imprensa local referiu-o como “a mais luxuosa moradia da vila, com todas as condições para se viver regaladamente”.

 Um dos mais emblemáticos e valiosos imóveis históricos da cidade, em pleno centro urbano, encontra-se votado ao abandono, aguardando uma recuperação que dignifique o seu indiscutível valor histórico e patrimonial.

Um exemplar único no país, com 108 anos de idade, já merecia uma boa reforma!


Governo iludiu e descartou

Respondendo a um alerta do PCP de Braga, o governo afirmou que "a reabilitação no palacete anexo ao Centro de Emprego de Fafe está prevista para o final do primeiro semestre deste mesmo ano" (2016).

Depois das garantias dadas pelo Ministro do Trabalho, Solidariedade, e Segurança Social, que dava como certa a requalificação do Palacete do Centro de Emprego de Fafe, eis que surge a notícia que, afinal, o referido Ministério não vai fazer obras no imóvel, propondo a sua venda à Câmara Municipal de Fafe.

 Notícia avançada pelo “Notícias de Fafe” (Fevereiro de 2018), referiu, que responsáveis do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), após uma visita de avaliação do palacete, sondou a disponibilidade da Câmara Municipal para aquisição do edifício pelo valor de 805 mil euros.

Lembre-se que a casa histórica em questão, datada de 1912, exemplo único na região e no país, foi classificada como Imóvel de Interesse Municipal em 1983, para, logo a seguir, em 1986 a Câmara “alienar” o Imóvel vendendo-o ao Ministério do Trabalho, para instalação do Centro de Emprego de Fafe, que acabou por ocupar as antigas cavalariças nas traseiras do edifício, deixando a casa nobre sem qualquer utilização durante cerca de três décadas.

Quando parecia haver luz ao fundo do túnel, e, os mais crentes pensaram que era desta que aquela pérola do património fafense ia ser restaurada, tudo se complicou, com a posição do IEFP.

O presidente do Município de Fafe disse ao “Notícias de Fafe” não estar interessado na aquisição do imóvel pelo valor proposto, considerando: “é bonito, temos por ele carinho e estima, mas não é muito funcional, é difícil encontrar um destino, está degradado e até poderá pôr em causa a segurança das pessoas que por ali passam”.

Raul Cunha disse ainda ao mesmo periódico que “se a Câmara não o adquirir, será colocado em hasta pública”.

Por seu lado, Antero Barbosa, aconselha o diálogo e a renegociação referindo que “a autarquia também tem interesse em instalar bem o Centro de Emprego, num local melhor”, evocando uma permuta “justa”.

O vereador, Victor Moreira, de forma mais incisiva disse ao “Notícias de Fafe” que “Por mim não pagava nada. Eles ainda tinham de nos pagar para recuperar o edifício porque a obrigação deles era ter aquilo conservado”, lembrando que a verba em causa dava para resolver outras situações, nomeadamente, a aquisição da casa em frente ao Teatro-Cinema, a requalificação do antigo Mercado Municipal e ainda as necessárias obras de recuperação no edifício da Casa de Cultura local.

O vereador José Batista, considerou que, “É uma oportunidade de ouro para fazermos um pacote mais integrador”. Defendendo a compra do imóvel degradado em frente ao Teatro-Cinema e do Palacete do Centro de Emprego, para instalar a Loja do Cidadão e centralizar os serviços da Segurança Social.

 


Prevê-se o relançamento da discussão relativa aos vários imóveis históricos degradados da cidade, um assunto sensível, dispendioso, que requer astúcia e engenho do executivo autárquico.

Certo é que não se pode continuar a tapar o Sol com a peneira. É a altura  para encarar, de forma séria, a questão, suspensa há vários anos, da preservação e requalificação do Património Histórico na “terra mais brasileira de Portugal”.

O Governo, primeiro responsável pela conservação da nossa memória cultural, relativamente ao imóvel do Centro de Emprego, teve uma atitude censurável: comprou, desleixou, iludiu e descartou.

Jesus Martinho

 

 

* Ex-professor da Faculdade de Arquitectura do Porto e investigador

Fontes:

<http://www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?id=23130>.

TAVARES, Domingos. Casas de Brasileiro – Erudito e Popular na Arquitetura dos Torna-Viagem. Porto, Dafne Editora, 2015

Semanário “Notícias de Fafe”


O interior nos anos 80 do século XX






1 comentário:

  1. Infelizmente o meu Primo(2º grau) Alberto , tinha projectos para a sua recuperação e rentabilidade -casa museu- mas a vida trocou lhe as voltas e o sonho abandonado na decadência das amarguras ...Depois , bem depois a parte pública nunca teve arrojo ou até mesmo plano concertado de recuperação --algo que o Município de Felgueiras fez com o Palacete frontal ao Teatro Fonseca Moreira - quanto ao Prédio(degradado)também com Historial valioso frente ao Cine Teatro talvez o Vice Presidente saiba alguma coisa quanto ao rumo/requalificação -penso que deve ter a chave- ---- Debate sério em sede própria é um imperativo--Obg Gil por "tocar nesta ferida" de interesse público...

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