segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Senhora de Guadalupe o Templo e a Crença

Trata-se de um belo exemplar da arquitectura seiscentista, alpendrada, corpo longitudinal de uma só nave rectangular e fachada rematada em sineira; incorpora sacristia à esquerda do portal de verga recta ostentando a inscrição: “RDA NO ANNO 1698”, gravada no lintel.


Desconhece-se o ano preciso da fundação deste templo. Acreditamos que tenha acontecido em inícios do século XVII.

Em 1726 Francisco Craesbeeck refere que a capela de Nossa senhora de Guadalupe é do povo e filial da igreja da freguesia, de invocação a São Mamede, vigairaria do Mosteiro de Pombeiro.

Olhando a fachada da capela de Guadalupe, que apresenta dois corpos: o do alçado frontal da nave com pilastras nos cunhais encimado por uma pequena sineira assente em cornija e o da sacristia, com portal em arco de volta perfeita.


O alpendre é sustentado por dois pilares quadrangulares e colunas toscanas, corrido por bancos de granito e cerrado por murete interrompido a Norte para dar lugar ao portão gradeado em ferro e escadaria de acesso; encostado à fachada principal existe um magnífico púlpito de base quadrangular, sobre míssula e balaustrada em granito com faces emolduradas com almofada centrada por ornato floral.


No interior, o altar-mor assenta em degrau de pedra com retábulo de talha policroma que acolhe a imagem da padroeira Nossa Senhora de Guadalupe, ladeada por duas míssulas com as imagens de S. Mamede e S. João Baptista. 

A capela sofreu diversas reformas que alteraram a estrutura original. Apesar destas transformações, o templo mantém a traça do século XVII e as obras de consolidação e restauro garantem a sua boa conservação.

Temos, em Cepães uma pérola do escasso património religioso seiscentista conhecido neste concelho de Fafe, que vale a pena visitar e apreciar.


SENHORA DE GUADALUPE SAIU EM PROCISSÃO PARA CHAMAR A CHUVA

                      

«De norte a sul, de leste a oeste, um povo dominado pelo terror da fome, com o rosto desmaiado, cabelo hirto, olhar esgazeado e estômago vazio, trôpego, andrajoso, arrastando-se a custo, vae aos templos pedir ao Deus de misericórdia e de bondade a chuva que Ele nega á terra para a fecundar…»

…«O povo pede chuva para que a terra produza e o governo d’uma monarchia prestes a desabar pede mais impostos para que a barriga lhe cresça…»

O ano de 1896 foi particularmente seco em Fafe. O povo, desesperado, viu ameaçadas as suas culturas

Em quinta-feira, 30 de Abril de 1896, a imagem da Senhora de Guadalupe, protectora da agricultura e controladora de tempestades, saiu em procissão da sua capela de Cepães em direcção à Igreja Matriz da Vila de Fafe.

«Que ella interceda junto de Deus, para que a chuva de que tanto carece a agricultura nos venha livrar do anno de fome que se avizinha apressadamente de nós todos, infelizes e escarnecidos portugueses, governados por uma monarchia que nos perde irremediavelmente!...»

Na quarta-feira anterior à saída da procissão o tempo mostrou-se nublado e fresco sem que, contudo, chovesse. Após permanecer vinte e quatro dias na Igreja Matriz da Vila, a imagem da Virgem Guadalupe regressou ao seu templo de Cepães, em domingo, 24 de Maio.

Foi organizada nova procissão, precedida de uma missa cantada «a grande instrumental pela capela do snr. Maia e sermão, sendo orador o snr. Abbade de Golães, que agradou a todo o auditório.

«Alem de muitas outras prendas que foram oferecidas á Virgem, registraremos as seguintes: Um cordão d’oiro oferecido pelo abastado capitalista snr. João Teixeira de Barros; a pintura da charola mandada fazer pela ex.masnr.ª D. Maria Pereira de Menezes Franco; e uma outra simplesmente pela sua curiosidade, de alguns cachos d’uvas maduras, do quintal do snr. Francisco José de bastos, que foram expostos na charola.»

 

A procissão rumou a Cepães e a imagem da Senhora de Guadalupe retomou o seu trono na pequena capela datada de 1698, altura em que teria começado o culto da Vigem de Guadalupe em terras do Couto de São Mamede de Cepães.

Durante todo o tempo que a imagem esteve na Matriz de Fafe não há notícia que houvesse precipitação relevante.

«Continua a estiagem. Na quinta-feira choveu alguma coisa, caindo na terça algumas pingas, á espécie de chuva de trovoada. O vento forte e continuo tem destruído os vinhedos que apresentam uma boa nascença. Os centeios estão fracos, devido á estiagem, e as sementeiras do milho tem-se feito, mas na maior parte não nascem… Que Deus nos proteja.»


Reprodução "O Desforço", 28 Maio 1896

 Só um dia depois de a Senhora regressar a sua casa, em terça-feira, 26 de Maio, a imprensa local da época dá notícia de uma forte trovoada: «… por espaço de duas horas uma chuva torrencial, que em breve fez crescer os rios que pouca água levavam, a ponto de em partes cobrirem os campos que lhes ficavam as margens, Em partes caiu pedra, e as faíscas que se sucediam momentaneamente despedaçaram árvores… A chuva, porem, tem continuado copiosamente, o que para a agricultura é uma grande cousa.»

O Verão de 1896 trouxe alguma chuva, principalmente trovoadas que não provocaram danos maiores na produção agrícola anteriormente ameaçada. Em finais do mês de Agosto os vinhedos estavam amadurecidos e prontos a colher, em quantidade e qualidade.

«O tempo melhorou consideravelmente.

Os agricultores aproveitando-se d’estes lindos dias de sol tratam activamente de fazer as suas colheitas. A das uvas vae muito adiantada e a do milho principia a fazer-se, principalmente aonde os milheiraes estão mais adiantados».

Em um ano que se temeu calamitoso para a produção agrícola, prenunciando miséria, acabou por ser um ano produtivo para gáudio de um povo sequioso, apegado a uma fé inabalável, crente na intercessão da Virgem protectora da agricultura, que tem o seu trono na bonita capela de Guadalupe em Cepães, e concedeu-lhes um ano farto do pão e do vinho do seu sustento.

Fonte: jornal “O Desforço”, 1896

Jesus Martinho

 

 

 

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