Outrora palácio faustoso,
uma das mais importantes e antigas casas de “brasileiro” de torna-viagem da
vila dos finais do século XIX, desapossado do seu recheio, chegou aos nossos
dias em inquietante estado de conservação. Um caso gritante de abandono. Uma vergonha
para uma cidade que “quer ser a terra mais brasileira do país”.
O nosso Teatro-Cinema é um
dos mais importantes e emblemáticos edifícios históricos da cidade.
Exemplarmente recuperado em 2008, aquela bela sala de espectáculos foi
devolvida aos fafenses no dia 25 de Abril de 2009.
Frente à exuberante fachada
do Teatro existe um outro imóvel histórico, uma casa construída pelo influente
“brasileiro” de torna viagem, José Florêncio Soares, em finais do século XIX.
Este magnífico palácio,
datado de 1861, foi, durante mais de centúria e meia, residência de uma
abastada família fafense.
Nos anos 80 do século
passado o edifício foi abandonado e, na actualidade, encontra-se bastante
degradado.
Pouco antes da reabertura do
Teatro-Cinema, o Município mandou colocar uma tela na fachada do imóvel
fronteiro para esconder o seu mísero estado de conservação. A referida tela
apodreceu e acabou por cair, desmascarando o triste cenário de uma das mais
antigas e simbólicas casas “brasileiras” de Fafe, em preocupante estado de
conservação.
O nosso Teatro-Cinema, desde
a sua reabertura, recebeu milhares de pessoas: Audiências de espectáculos e os
mais variados eventos.
“O teatro é tão bonito! É
uma pena aquela antiga casa estar naquele estado!" Ouvi da voz de um forasteiro,
oriundo de Lisboa.
Mais que ter “pena”, urge
tomar uma atitude, desenvolver esforços para salvar aquele Património
Arquitectónico agonizante.
Sabemos que a crise económica comprometeu o futuro imediato deste país, contudo, Fafe não pode continuar a perder os seus valores históricos, testemunhos importantes da herança de fafenses que outrora partiram, criando riqueza e regressaram, contribuindo indubitavelmente para o desenvolvimento desta terra.
Fafe tem obrigação de
respeitar a memória colectiva dos “brasileiros” de torna-viagem e, a melhor
forma de o fazer é conservar e valorizar o seu invulgar património
arquitectónico e espólios relacionados.
Se não forem tomadas medidas
urgentes e eficazes de protecção, dentro de poucos anos, Fafe perderá, irremediavelmente,
o estatuto de “cidade mais brasileira de Portugal”!
O historiador Miguel
Monteiro, no seu livro “Fafe dos “brasileiros” (1860 – 1930), Perspectiva
Histórica e Patrimonial, 2004 (2ª edição), faz uma descrição bem elucidativa da
importância histórica deste imóvel:
«José Florêncio Soares, natural de Fafe, nasceu em 4 de Março de 1824 e faleceu em 1 de Abril de 1900. Casou no Brasil com D. Maria Teresa da Costa, natural do Rio de Janeiro, filha de Domingos José da Costa, natural de Oliveira de Azeméis, e D. Senhorinha Jesuína da Silva, natural de Minas Gerais, estado de Minas Cerais, Brasil.
José Florêncio emigrou, em
20/10/1837, para o Brasil com 13 anos de idade.
Foi um dos emigrantes mais
bem sucedidos no Brasil, revelando a sua obra perspicácia, espírito cívico e
filantrópico invulgar. Antes dos 40 anos constrói esta majestosa casa (1861),
participa activamente na fundação da Fábrica do Bugio, da qual veio a ser o
único proprietário.
Aparece a liderar o grupo de
«brasileiros» promotores da construção do Hospital da Misericórdia de Fafe,
cópia de outra casa de caridade do Rio de Janeiro, a pedido de seu pai, médico,
angariando donativos para a sua construção junto da comunidade de «brasileiros»
de Fafe. A iniciativa teve êxito bastante para que rapidamente se desse inicio
à construção da benemérita obra, expoente da filantropia dos «torna-viagem» de
Fafe. Em 21/3/1863 fez-se a abertura da primeira enfermaria com nove camas e,
desse facto, o jornal O Comércio do Porto, dizia em 21/3/1863.
Retrato de José Florêncio Soares, primeiro proprietário da casa.
(Reprodução do "Almanach Illustrado de Fafe, 1910)
“Abre-se quinta-feira em
Fafe a parte do Hospital que se acha feita
e com capacidade para
receber nove doentes. Este estabelecimento de caridade deve-se aos esforços de
alguns cavalheiros de Fafe e muito particularmente ao Sr. José Florêncio, que
tem sido incansável em promover os meios para levar a efeito um tão útil como
humanitário estabelecimento.
[…] Na quinta-feira à noite
dá o Sr. Florêncio, distinto Cavalheiro de Fafe, um esplêndido baile. Fazem-se
grandes preparativos para esta função, que promete ser sumptuosa. A Casa do Sr.
Florêncio é das mais lindas de Fafe e o salão de baile é magnífico».
Como presidente da câmara
liderou as principais obras dos finais do século XIX, das quais se destaca
ainda o Jardim Público. Do entusiasmo com que se dedicou à causa ficaram belos
registos na imprensa local, tendo sido tão polémica a sua relação com as forças
vivas do concelho, que decidiu mandar esculpir em gesso e de tamanho natural
três dos seus opositores, colocando-os na casa de banho da sua casa com os
seguintes dizeres: «EMBARGARAM OS MUROS, EMBARGARAM OS PÓRTICOS, EMBARGARAM A
CASA, EMBARGARAM TUDO»
Sabemos que um destes seus
opositores foi Mons. João Monteiro Vieira de Castro e que o facto gerou tal
curiosidade na vila que muitas foram as visitas às esculturas. De facto, este
aposento terá sido o mais visitado, chegando tal curiosidade até ao século XX.
Distinguiu-se como o principal
benfeitor da construção da Igreja Nova de São José, interrompida após a sua
morte por muitos anos.
Do seu perfil e carácter
ficou testemunho no epitáfio, que mandou gravar: «AQUI JAZ JOSÉ FLORÊNCIO
SOARES QUE SEMPRE AMOU A VIDA E O TRABALHO».
Esta casa, verdadeiro
palácio, mantêm-se quase sem alterações, com um riquíssimo mobiliário da época,
onde existia uma harpa e um piano para animar recepções.
[…] Neste verdadeiro palácio
de rés-do-chão e andar, telhado de quatro águas, salientam-se as grossas
paredes de pedra e as esquinas, soleiras e ombreiras, de cantaria. Verdadeiro
palácio ou solar urbano, nele ressalta a pompa das janelas e sacadas. Do átrio,
em pedra lavrada, sai a escadaria em madeira exótica, que se desdobra em dois
lanços, ocupando o centro do edifício. No rés-do-chão situam-se os escritórios
e dependências de serviço e no andar, sobre a frente, um majestoso salão para
recepções. O edifício é rebocado a branco, destacando-se no interior as
madeiras preciosas, os estuques e os delicados móveis e porcelanas».
Foi assim que Miguel
Monteiro viu o palácio de José Florêncio Soares, há cerca de três décadas… E
agora?!
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