terça-feira, 23 de março de 2021

ESTENDAIS VIRTUAIS

Cada vez há menos estendais, destes, corridos a corda de lado a lado e estendidos ao sol para toda a gente ver. Cada vez há menos... já ninguém quer as intimidades expostas a comentários alheios e críticas minuciosas ao borboto do pijama ou ao avental desbotado. Restam poucos. Destes estendais que se pavoneiam em frente de quem passa e não têm medo do que mostram, porque foi gasto pela vida honesta e purificado a sabão clarim. Gente de coragem esta, dos estendais espetados a ferro no caminho, corridos a corda de lado-a-lado e estendidos ao sol para toda a gente ver. A forma como esticam os lençóis, como prendem as molas, como dobram os lenços ou alinham as cores das camisolas. Gente honesta esta… dos estendais!

Cada vez há mais máquinas, lavandarias e varandins que nos tiraram do caminho e nos fecharam em paredes de cimento. Agora, já não torcemos a roupa de forma coordenada, uma mão para a direita e outra para a esquerda para libertar a água, como se nos apetecesse torcer algo ou alguém… Já não sacudimos os tecidos, duas e três vezes, da frente e do avesso, para libertar a pressão… Já não “solhamos” a roupa branca para desencardir a tristeza que trazemos na alma ou nos pesa o coração. Agora enfiamos tudo para um quadrado, aberto por um círculo e aguardamos que as voltas intermitentes varram a sujidade e nos tragam de novo o que lá metemos. No fim das voltas, abrimos a porta para um amontoado de peças soltas e engelhadas que não distinguimos, nem queremos sequer ordenar. Não esticamos, prendemos, dobramos ou alinhamos como aquela gente… a dos estendais!

Cada vez há mais estendais virtuais. Desses… corridos dedo acima para toda a gente comentar, estendidos à vista para toda a gente ver. Estendais de roupa usada, onde nada se sente da pureza da lavagem à mão ou da frescura do aroma a sabão. Toda a gente quer os comentários alheios e as críticas minuciosas ao pijama acetinado ou ao avental lustroso. E são muitos. Destes estendais que já não usam molas, nem escolhem o sol, nem sentem o vento. Aqui já não trocemos, sacudimos ou alinhamos como aquela gente, a corajosa e honesta... os poucos... dos estendais! 

Clara Paredes Castro






Sem comentários:

Enviar um comentário