domingo, 20 de setembro de 2020

“UM OUTRO OLHAR” – GRACIETE LIMA, UMA EMPRESÁRIA NO SETOR VITIVINÍCOLA



BOM DIA GRACIETE, AGRADEÇO – TE POR TERES DISPONIBILIDADE EM PARTICIPAR NESTA ENTREVISTA. EU JÁ TE CONHEÇO A CERCA DE 20 ANOS, NO ENTANTO, CONHEÇO-TE POUCO DA TUA INFÂNCIA E PARA TAL A MINHA PRIMEIRA PERGUNTA É DA PRAXE E GOSTAVA QUE ME PARTILHASSES AS TUAS ORIGENS, O TEU PERCURSO ESCOLAR E FORMATIVO. ERAS BOA ALUNA? GOSTAVAS DE ESTUDAR? TENS ALGUÉM COMO MODELO EMPREENDEDOR?

Bom dia Filipe, antes de mais muito obrigada pelo convite, sim já nos conhecemos à mais de 20 anos, estava eu a iniciar a minha incursão no mundo dos empresários.

Mas recordando os meus primeiros anos de vida… falar da minha infância é reviver momentos muito felizes, momentos de liberdade e aventuras partilhados com uma prima da mesma idade em Várzea Cova, onde as horas não contavam, corríamos pelos caminhos em terra, brincávamos com os animais…. Enfim eramos verdadeiramente felizes!!! E não posso deixar de recordar o meu porto de abrigo desses tempos, a minha querida avó Conceição que tantos sustos apanhou… eu era uma “pestinha”.

Entretanto vim estudar para a cidade e as coisas ficaram mais sérias… mais responsabilidade! Até ao 12º ano estudei em Fafe, depois ingressei no curso de Gestão Financeira e Fiscal, no Instituto de Estudos Superiores Financeiros e Fiscal no Porto. Fiz o meu percurso sempre sem grandes sobressaltos, mas relembro um sentimento que me assolou no meu último ano de faculdade, tinha 22 anos, e nessa última queima das fitas, só pensava …. porque não “chumbei um ano” para ficar mais um ano na faculdade…. Adorava a cidade do Porto, toda a sua mística, os seus encantos…. como diz alguém famoso… onde já foi muito feliz!

Foram anos onde cresci muito, viver sozinha aos 17 anos numa cidade como o Porto foi sem dúvida um desafio, mas tive o aconchego de alguns primos que também lá estavam e fizerem questão de me mostrar o que era o Porto! E a responsabilidade “imposta” pelos meus pais, que com mestria souberam sempre orientar-me e dar-me os melhores conselhos deixando-me a liberdade de escolha para perseguir os meus sonhos.

Termino o meu curso em 1998 e fui trabalhar para uma sociedade de revisores no Porto, durante esse período fiquei com a certeza do que não queria fazer para o resto da vida. Foi uma experiência muito boa, que me deu um conhecimento sobre o mundo empresarial fantástico, mas percebi que queria era estar do outro lado da equação.

A nível académico, seguiu-se uma Pós-Graduação e um MBA em Finanças, que permitiu manter a minha ligação ao Porto por mais uns tempos…. Pois, entretanto, já tinha regressado a Fafe, depois de um “ultimato” do meu Pai. Mas já conto como todo aconteceu….


Como surgiu a ideia de ser empreendedora?

Ser empreendedora, bom …. Será que podemos escolher querer ser empreendedores?? A meu ver existem características, e esta, sem dúvida, é uma delas, que ou nasce connosco ou então é muito difícil sê-lo….

Ser empreendedor exige muito de nós, muitos sacrifícios, mas acho que quando fazemos o que gostamos deixa de ser sacrifício e o trabalho passa a ser um “prazer”.

No início da minha vida profissional, a minha primeira experiência serviu para definir muito bem o que queria e depois do empurrão do meu pai com o seu “ultimato” já não tinha como fugir do meu destino…. o mundo das empresas e dos empresários!

O meu pai lançou-me um desafio em finais de 1999/2000, a Vinhos Norte estava a iniciar a sua presença no sector da distribuição moderna e então era necessário certificar a empresa, uma premissa exigida por praticamente todas as cadeias.

Cresci com a empresa, lembro-me de andar sempre de volta dos colaboradores a perguntar o que podia fazer. Acompanhei as diferentes fases de crescimento da Vinhos Norte e este desafio do meu pai, certificar a empresa ao abrigo da ISO 9001 foi enorme, mas muito recompensador.

E assim iniciei a minha carreira, embrenhada na produção durante cerca de 2 anos a montar o Sistema de Gestão da Qualidade que culminou sendo uma das primeiras empresas do sector a ter a Certificação pela ISO9001:2000.

Paralelamente ao meu trabalho na Vinhos Norte, fui durante alguns anos consultora na Associação Empresarial de Fafe o que me permitiu ter sempre contacto com muitos sectores de atividade e realidades distintas, foram anos de muitas partilhas e aprendizagens.

A formação profissional, foi durante 7/8 anos um escape ao mundo dos negócios, como eu dizia relaxava-me da azafama das empresas, e era delicioso ver a reação dos meus alunos com a partilha das experiências, não eram muitos os formadores que tinham experiência empresarial e isso fazia a diferença perante aqueles jovens. 

Nunca gostei de fazer só uma coisa…. Mas depois chegaram os filhos e as prioridades alteraram-se.


A vossa empresa familiar, vai fazer para o ano 50 anos! Conte-nos mais sobre a trajetória da empresa até à data de hoje, partilhando-nos as suas atividades, os seus produtos e serviços e sua dimensão em termos de mercado e humano.

É verdade 50 anos, 50 anos de história….

A Manuel da Costa Carvalho Lima & Filhos Lda. - comercialmente conhecido por Vinhos Norte - deve o seu nome ao fundador, o meu avô, que em 1971 iniciou a atividade de armazenista de vinhos e outras bebidas.

Com o passar do tempo e a liderança da 2ª geração a empresa vocaciona-se para a produção de vinhos. Desde sempre esteve inserida no meio rural, na Freguesia de Moreira do Rei e Várzea Cova.

O core business da Vinhos Norte centra-se na produção e comercialização de VINHO VERDE, assumindo que passará a integrar o enoturismo como complemento, que surgiu de uma procura natural pelo rosto por detrás das marcas de vinho e pela atração do meio envolvente natural onde esta.

Ao longo da sua atividade a empresa concentrou esforços na criação das condições para o desenvolvimento da sua atividade, tendo adquirido equipamentos, aperfeiçoado o processo produtivo e apostado na sua organização interna. A primeira marca da empresa remonta a 1984 com a marca Norte.


A Vinhos Norte, como entidade empresarial, está fortemente inserida na sua envolvente social, particularmente devido à sua localização na aldeia de Várzea Cova. A maioria dos seus colaboradores pertence a esta aldeia ou aldeias vizinhas e a sustentabilidade é um dos valores da empresa. Todo o desenvolvimento dos produtos tem como constante preocupação adquirir a máxima eficiência em todo o processo produtivo. A empresa está equipada de um laboratório de análises de vinhos e mostos, que também disponibiliza aos pequenos produtores da região, contribuindo assim para uma melhoria dos vinhos da mesma e o desenvolvimento de uma rede de colaboração.Na sua vertente interna, a empresa favorece e promove a formação dos seus colaboradores, alargando as suas competências e polivalências, o que permite uma rotação dos postos de trabalho.

A Vinhos Norte tem uma forte presença no mercado português, particularmente nas regiões Norte e Centro. Pretende ser reconhecida como uma empresa familiar com uma paixão genuína pelos vinhos que produz, reconhecidos pela sua qualidade e diferenciação.

 

Quais são as dificuldades que encontras na gestão do dia a dia do vosso negócio familiar?

Sendo uma empresa familiar, por vezes é difícil separar o negócio da família, das relações, das prioridades de que cada um. Mas também, esse é o segredo do sucesso, pois temos a paixão genuína pelos vinhos, apesar de cada um ter uma perspetiva diferente o objetivo é o mesmo.

 

Quais são as maiores satisfações e desilusões que tivestes com a vossa empresa?

A vida das empresas, é como outra vida com coisas boas e coisas menos boas, mas o sentido positivo e o querer faz acontecer.

Ver nascer um novo produto, é uma das maiores satisfações. Estamos em plena vindima, momento em que começamos a desenhar os novos produtos, escolhem-se as uvas, separam-se os lotes de vinho e depois… depois deixamos a natureza trabalhar para que se transformem em grandes vinhos.

Levá-los à casa e à mesa dos apreciadores é o culminar de todo o processo e a maior das satisfações.

As desilusões, bem, essas dissipam-se no tempo, mas como costumo dizer as relações humanas são de uma complexidade enorme capazes do melhor e do pior.

 

Quais são os próximos desafios para a vossa empresa?

Neste momento temos um grande desafio, um vírus que mudou toda a nossa vida, a nossa liberdade, a nossa realidade. A empresa reagiu, adaptou-se às novas formas de interagir com o mundo.

O negócio da nossa empresa assenta em proporcionar experiências sendo o vinho o elemento central, os jantares vínicos, as provas, as feiras de vinhos quer nacional quer a nível internacional, mas este ano tudo se alterou.

As provas de vinho e tudo o resto começou a ser online, e tudo se move virtualmente, tentando transmitir as várias sensações e vivências.

Estrategicamente elegemos o enoturismo como foco para os próximos anos, na medida em que existe uma procura cada vez maior por experiências vínicas e por ambientes rurais e genuínos.

 




Quais são as características pessoais mais importantes para a vossa empresa? Isto é, que importância dás às relações internas e externa na empresa?  E para ti como empresário, quais são os contactos mais importantes? Fornecedores, clientes, pessoas de influência?

Atualmente, considero as relações humanas a base do sucesso seja com os colaboradores, com os clientes, os fornecedores, onde a ética e a transparência são fundamentais.

O desenvolvimento das ferramentas de comunicação, nomeadamente os e-mails, o telemóvel, tornou numa fase inicial as relações de proximidade, o contacto entre as duas partes, mais impessoal mais distante, pois o e-mail resolvia com muita rapidez vários assuntos de uma forma séria, mas tornando mais distante a relação humana.

Hoje, e tendo por base a minha principal função, a área comercial da empresa, é fundamental nutrir a relação entre as partes, faço muitos quilómetros só para reunir 15/30 minutos com um cliente, mas esse cuidado, essa proximidade faz toda a diferença.

 

Como te vês como pessoa? Como lidas com o fracasso e o sucesso?

 Sou uma pessoa tranquila, que encara a vida sempre com um pensamento positivo, gosto de festejar as vitórias, empolgo-me com o sucesso, mas aprendo muito quando algo corre menos bem.



 

Consegues conciliar, no teu dia a dia, a vida profissional e pessoal?

Na sua maioria sim, tenho dias muito preenchidos, mas nunca descoro a minha vida pessoal, temos de saber que o tempo passa muito rápido e sem os momentos dedicados à família a vida não faz sentido.

Já tive uma grande lição, porque quando algo corre menos bem, deixamos tudo para estar com os nossos, e o trabalho, os compromissos, os problemas, todos eles se resolvem sem a nossa presença.



No teu percurso de empresária, queres partilhar um momento único positivo ou negativo ou até anedótico que te marcou? 

Tenho alguns momentos que me marcaram, mas existe um momento em particular que me “formatou” enquanto pessoa e empresária. Estava eu a dar os meus primeiros passos… e integrei um programa de Formação para empresários através da ADRAVE (em que fostes tu que me incentivaste a participar com a Vinhos Norte) éramos vários empresários da região do Ave que integramos uma “visita de estudo” ao sul de Espanha, à região de Cáceres. E no programa tivemos um encontro com uma associação empresarial local espanhola que organizou uma apresentação sobre técnicas comerciais e colaborativas. Então fiquei tão “pequenina” quando o orador espanhol apresentou a sua estratégia para chegar às nossas ex-colónias africanas, Angola, Moçambique principalmente, disse ele – nós espanhóis sabemos vender, não temos é facilidade nas línguas, como tal vamos “usar” os portugueses para chegar a África, pois eles falam a língua mãe mas não sabem vender! Muito resumidamente, senti-me tão “pequenina” enquanto portuguesa!! Mas aprendi que realmente temos de reconhecer os nossos pontos fortes e fracos para saber ultrapassar certas barreiras, e que só colaborando alcançamos os nossos objetivos.


Se tivesses um conselho a dar a um jovem empreendedor perante o estado atual da Economia, qual seria?

Nos anos em que dei formação, principalmente na vertente profissional, sempre dizia aos meus formandos, que o fator critico para o sucesso era lutar pelos nossos sonhos, e aí colocar empenho e persistência pois caímos muitas vezes, mas cada queda nos faz mais fortes e nos mostra o caminho a seguir. É o mesmo conselho que dou aos jovens empreendedores pois existe sempre lugar para mais um, desde que seja bom e para isso não basta querer é preciso muito trabalho, dedicação e empenho.

Falo por experiência própria, em 2008, no inico de uma crise fundei uma empresa – Infinit Label, Lda uma gráfica especializada em autoadesivo – onde o investimento orçou cerca de 800 M€ e toda a envolvente parecia hostil devido à grande crise que se desenhava. Mas como já referi com muito empenho, dedicação e planeamento a empresa cresceu e tornou-se muito player influente no mercado, principalmente na sua especialização de rótulos auto adesivos para os mercados dos vinhos.

 

A crise atual associada à Pandemia COVID-19, afetou-vos na vossa forma de trabalhar? na competitividade da empresa, nas relações com os clientes? De forma negativa ou positiva?

Sim, tal como já referi anteriormente a empresa teve de reinventar as suas formas de atuar no mercado e para já em termos de impacto tem sido positivo, pois sentimos que além de estar longe fisicamente de alguns clientes, o envolvimento e a proximidade passou a ser maior com uma presença online muito forte.

Fizemos algumas “lives” com provas de vinhos que tiveram um alcance muito grande em visualizações e interações, que usando as ferramentas tradicionais – nomeadamente – as feiras de vinhos não conseguiríamos alcançar um publico tão alargado.



Vamos passar para uma parte mais pessoal da entrevista, tenho as seguintes perguntas e peço-te uma palavra ou frase de resposta para cada uma delas:

Hobbies?

Neste momento são os hobbies dos filhos… o meu tempo livre dedico-o a acompanhá-los.

Local de Férias preferido?

Brasil 

Adoras?

O ser genuíno, autêntico

Detestas?

Hipocrisia

Prato preferido?

Não tenho….

Restaurante preferido?

A casa da minha mãe…..

Desporto preferido? Qual é o teu clube?

Golfe, Futebol Club do Porto

Se não fosses empresária, eras?

Professora

O que representa Fafe para ti?

A cidade onde moro com qualidade de vida.

Se tivesses a oportunidade de mudar algo no teu percurso profissional, seria o quê?

Sinceramente, acho que não mudava.

Se amanhã, fosses uma eleita político local, que medidas no setor econômico ou outro, implementavas?

Sinceramente não me vejo nessa posição, mas se isso acontecesse desenvolveria mecanismos de apoio às empresas no seu dia a dia, como por exemplo “desburocratizar” todos os processos que muitas vezes impedem a criação/crescimento das empresas, um aproximar dos empresários ao poder local…

Qual é a tua regra de Ouro?

Estar nos negócios com ética.

Há algo mais que gostarias de dizer, que não foi abordado?

Sim, o meu muito obrigada por este convite e dar-te os parabéns por esta iniciativa.


VÍDEOS:

Vinho Verde Fest - Braga


Revista de Vinhos






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