domingo, 1 de novembro de 2020

“UM OUTRO OLHAR” – JORGE MARQUES, UM EMPRESÁRIO DO SETOR DA METALOMECÂNICA APAIXONADO PELOS DESPORTOS MOTORIZADOS

 


Bom dia Jorge, agradeço – te por teres disponibilidade em participar nesta entrevista. Eu já te conheço há mais de 20 anos, e tenho vindo a acompanhar o teu percurso profissional, com orgulho e amizade. E para tal, além teu percurso, o teu perfil de empresário de sucesso e a tua paixão pelos desportos motorizados, sensibilizaram-me a te convidar para a nossa entrevista. Neste sentido, a minha primeira pergunta é da praxe e é mais pessoal, e gostava que me partilhasses as tuas origens, o teu percurso escolar e formativo. Eras bom aluno? Gostavas de estudar? Tens alguém na tua família ou amigos como modelo empreendedor?

Olá Filipe! Prezo muito a nossa amizade ao longo de praticamente 3 décadas! Agradeço a oportunidade que me concedes e responderei com a mesma amabilidade.

Embora os meus pais sejam naturais de Celorico de Basto, o meu Pai trabalhava em Fafe e por cá decidiram casar e morar. Por isso eu nasci e sempre vivi em Fafe, sou fafense com muito gosto!  

Tive um percurso escolar perfeitamente normal desde a primária até ao ensino secundário, mas em 02 de Junho de 1988 sofro o maior impacto emocional e negativo de toda minha vida até aos dias de hoje, a morte do meu Pai. Como as coisas também complicaram para a minha Mãe de todas as formas e feitios, não era fácil criar dois filhos, tenho uma irmã mais nova um ano, com todas as despesas familiares e apenas um salário, decidi por bem terminar os estudos à noite e trabalhar durante o dia. O meu primeiro emprego é na Rádio Clube de Fafe onde já fazia parte da grelha semanal à noite com alguns programas de rádio da minha autoria, mas não remunerado. Aproveitando essa oportunidade e até porque tinha jeito para a coisa (era o que elas diziam) fui admitido nos quadros da empresa do jornal “O Correio de Fafe”, à qual pertencia a RCF, como efetivo e como animador de rádio nas manhãs e tardes de 2ª a 6ª feira, “discos pedidos” aos sábados e mais tarde passaria pela redação de informação com os noticiários. Financeiramente foi ótimo, mas por outro lado menos bom já que aliado à pouca ou nenhuma vontade de estudar, a rádio trouxe-me o que de melhor poderia ter um adolescente naquela idade: namoradas e algum dinheiro! Ora como nunca fui aluno exemplar, a consequente falta de empenho e os excessos próprios da idade (que cometi quase todos!), nunca cheguei a terminar o 12º ano. Depressa chegou o serviço militar obrigatório que cumpri na Trafaria, terminando a Escola de Cabos com Menção Honrosa e um Louvor. Era a prática a sobrepor-se à teoria e eu gostava!

Nunca tive ninguém como modelo empreendedor na família, apenas a minha mãe como uma “lutadora” ao longo dos anos que nos criou sem ajudas de ninguém. A família estava toda em Celorico de Basto, Porto e Lisboa.

 

Como surgiu a ideia de ser empreendedor?

No regresso à vida civil acabei por ser admitido como administrativo na Gravotextil, empresa de referência no setor têxtil da nossa cidade e onde permaneci até 2009. No entanto já espreitava a possibilidade de fazer alguma coisa diferente, motivadora, mesmo sabendo que estaria a trocar o certo pelo incerto. O facto ser Pai e com dois filhos obrigava-me a ser mais ambicioso. Faltava-me o know-how, saber como e com quem fazer. Numa conversa como tantas outras e em forma de desafio, aproveitando os conhecimentos de um grande amigo dessa altura na área dos alumínios, surgiu a possibilidade de montarmos uma empresa de Metalomecânica. A oportunidade acabou por surgir em 2010 com as ILE – Iniciativas Locais de Emprego à qual eu era elegível, a dai até à constituição da minha (nossa) própria empresa foram 3 meses!           



A empresa que diriges atualmente, foi criada em 2010, conta-nos mais sobre a trajetória da tua empresa até à data de hoje, partilhando as suas atividades, os seus produtos e serviços e sua dimensão em termos de mercado geográfico e humano.

A Pormecalu, Lda. deu início de atividade em Março de 2010. Começou por ser dividida em 2 quotas, eu detinha 51% e a outra parte 49%. Estes 49% passariam pouco depois de fundarmos a empresa a serem divididos em duas partes iguais de 24,5%, pertencentes ao Carlos e Paulo Mendes, irmãos. Em Dezembro de 2014 adquiri uma dessas partes e em 2017 a outra parte, ficando desta forma a deter a totalidade do capital social da empresa. Foi um processo dividido em dois tempos, um dificílimo de gerir com contratempos e as devidas implicações e o outro decorrendo dentro duma normalidade aceitável. Fiz um esforço financeiro enorme mas era o caminho! Foi preponderante o apoio que tive de clientes e alguns fornecedores e obviamente de todos os colaboradores sem exceção, destacando dois deles, o meu braço direto e esquerdo, que embora não sejam sócios na empresa tento que tenham regalias como tal. Atrevo-me a dizer que mandam mais do que eu!   

Depois dizer-te que o alumínio é um metal precioso e que devido às suas características de peso reduzido, macio e resistente está praticamente associado a todos os aspetos da vida moderna direta ou indiretamente pelo seu uso no dia-a-dia, que pode passar pelo nosso automóvel a uma simples embalagem para alimentos ou medicamentos.

Não temos um produto próprio. Somos uma empresa de prestação de serviços onde se destaca a indústria automóvel, ferroviária e aeronáutica, através de subcontratação. Nestes 3 setores a tolerância é ZERO e a exigência é ENORME! Trabalhamos para marcas como a Renault, Audi, Ford, Nissan, Chevrolet ou Bosch. Sempre que andarem no TGV em França muitos dos perfis visíveis e não visíveis são fabricados por nós. Depois vão surgindo novos mercados como os concertos de verão e os respetivos palcos utilizados (Meo Arena, Rock In Rio, Sudoeste entre muitos outros) ou mesmo em casamentos e outro tipo de eventos. Por exemplo, os palcos da passagem do ano montados em Fafe passam pela nossa empresa. São cortados, maquinados e soldados por nós e o cliente faz a montagem final. Ou seja, aquilo que fazemos é um nicho de mercado muito exigente em termos de tolerâncias, prazos e qualidade.

Dispomos de 7 Centros de Maquinação CNC e 1200 m2 de área coberta. Adquirimos recentemente mais 2200 m2 para construção. Atualmente o nosso principal mercado é França. Estamos certificados como PME desde 2014 e a implementar um Sistema de Gestão de Qualidade ISO 9001-2015, que ficará concluído até final do ano.  

 

Quais são as dificuldades que encontras na gestão do dia a dia do teu negócio?

Uma dessas dificuldades é a procura de novos clientes e mercados. Infelizmente não tenho os meus amigos e/ou conhecidos como clientes. Já muitos deles nos procuraram mas não fazemos portões ou janelas (caixilharia) e muito menos somos serralheiros. Trabalhamos apenas em perfil de alumínio através de CNC`s.

A aquisição de novos Centros de Maquinação CNC é outra dificuldade deste negócio pelo custo elevado que tem. Aqui a banca tem sido o nosso principal parceiro, caro mas essencial. Muito importante uma empresa ter crédito. Depois a manutenção dos mesmos CNC`s ao longo do tempo. Um técnico custa em média 500€/dia com todas as despesas de alimentação, estadia e deslocação suportadas por nós. Pode cá estar 3 dias como 3 semanas! Estas são as principais dificuldades, de resto são situações pontuais.

 


Quais são as maiores satisfações e desilusões que tiveste, até agora, com tua empresa?

A maior satisfação é dizer-te a ti e a todos com orgulho enorme que tudo aquilo que temos tem sido conseguido com capitais próprios, num investimento superior a 1,2 m€. As desilusões são nunca termos tido qualquer tipo apoio nas candidaturas a projetos estatais onde eramos elegíveis. Aconteceu com o PRODER e a Sol do Ave em 2011 e mais recentemente com o SI2E (Norte2020) na CIM do Ave em 2017, onde apresentamos uma candidatura com um projeto de compra de um equipamento produtivo e a obrigatoriedade da criação de 3 postos de trabalho, tendo tido um manifesto erro de análise e apreciação, com um parecer nada fundamentado a indeferir a candidatura em 2019. Ou seja, adquirimos um equipamento de valor superior ao que nos tínhamos proposto (o valor elegível era “X”, daí para cima era suportado por nós!) e criamos o dobro dos postos de trabalho que nos tínhamos proposto! Resumindo, na altura de submeter a candidatura foi feito pedidos de cotação a 3 fabricantes europeus e quando decidimos a escolha viajamos até Itália ver o CNC a funcionar no fornecedor. Nessa altura decidimos a compra de alguns acessórios/ferramentas adequados à nossa produção e aqueles que achamos necessários, aumentado o custo. O valor base de um Centro de Maquinação pode ser de €200.000 mas adaptá-lo ao que pretendes podem ser mais €100.000! É como comprar um carro e escolher os extras, entendes? Mas não fazia diferença porque o valor máximo elegível já tinha sido atingido e daí para cima não tinha reembolso (foi ultrapassado em €35.000 e este seria o valor NÃO ELEGÍVEL, não comparticipado). Em lado nenhum dizia que não podia ser assim até porque estávamos bem aconselhados e a candidatura sido feita por quem sabe. Aliás, o nosso receio era precisamente não conseguir atingir os objetivos com a criação dos postos de trabalho, que afinal duplicamos! Acabamos mais tarde por saber que noutras CIM (Comunidade Intermunicipal) outros exemplos como o nosso tinham sido aprovados! Por uma questão de orgulho entre outros adjetivos que não pronuncio aqui, pela injustiça que sentimos na primeira pessoa, pelo conhecimento de candidaturas “adulteradas” e para que estes casos não se repitam, decidimos recorrer ao Tribunal Administrativo e Fiscal. Só gostava que por lá não corresse anos!  

 

Quais são os próximos desafios para a tua empresa?

Terminar o processo de Certificação ISO9001 e construir uma nova nave num terreno que adquiri anexo às nossas instalações. Mas o atual desafio, o mais importante e difícil é aquele que não se impunha nem ninguém imaginava. Chama-se Covid-19 e que nos afetou abruptamente de um dia para o outro. Não de saúde, felizmente todos bem, mas pela quebra acentuada na faturação superior a 60% e que atualmente se cifra nos 40%. Este ano de 2020 é para esquecer! Infelizmente o COVID-19 afetou e muito! Na competitividade não direi porque mantemos os mesmos recursos humanos e equipamentos, mas na indecisão por exemplo na indústria automóvel que é um setor preponderante na economia nacional e para a nossa empresa, teve uma quebra acentuada. A indecisão no fabrico dos carros elétricos, híbridos, gasóleo ou gasolina e o atual momento pandémico com o fecho de fronteiras e mercados afetou-nos negativamente com encomendas canceladas e outras adiadas. Os concertos de verão que não se realizam e onde temos bons clientes foi outro revés. De positivo até ao dia de hoje ainda não vimos nada a não ser estarmos todos de boa saúde, mais importante de tudo.

 


Quais são as características pessoais mais importantes para a PORMECALU? Isto é, que importância dás às relações internas e externa na empresa? E para ti como empresário, quais são os contactos mais importantes? Fornecedores, clientes, pessoas influentes?

São as características pessoais positivas e baseadas em competências comportamentais. A parte mais difícil de lidar numa empresa, para mim, são as pessoas. Saber lidar com elas. Limitar dificuldades que possam ter, gerir emoções. Eu tenho um relacionamento fantástico com todos os colaboradores, faço por ter. Mas não te digo isto só para agradar ou parecer correto, faço-o porque sou preocupado! Eu nunca soube ser patrão! Tenho vindo a aprender a ser um bom líder.

Externamente todos são importantes. O bom funcionamento da cadeia logística depende também de um bom fornecedor, é um parceiro. Cumpre-nos honrar os compromissos atempadamente e depois sim, podemos e devemos ser exigentes.   

Os clientes são a parte mais importante da sobrevivência de uma empresa. São o sangue que nos corre nas veias. Não basta tratá-los bem, é preciso conhecê-los bem e com uma comunicação eficiente. Problemas todos têm e não devem ficar na gaveta.  


Como te vês como pessoa? Como lidas com o fracasso e o sucesso?

Sou bastante otimista, não sou uma pessoa “negativa”. Existe solução para tudo menos para a morte. Sou muitíssimo frontal. Detesto hipócritas! Admito por vezes algum exagero na abordagem a uma “discussão” mas os meus amigos conhecem-me bem. Acho que quem souber lidar com o fracasso facilmente chegará ao sucesso. E o fracasso faz parte do trajeto de qualquer pessoa. Um dia de cada vez!

 


Consegues conciliar, no teu dia-a-dia, a vida profissional e pessoal?

Perfeitamente! Tenho uma mulher fantástica no que diz respeito aos nossos filhos e à nossa casa onde trata de tudo (trocar lâmpadas e apertar parafusos trato eu!) Nada com que me preocupar, só esperar que me chamem para a mesa!  J Em contrapartida trato eu do carro dela! 


No teu percurso de empresário, queres partilhar um momento único positivo ou negativo ou até anedótico que te marcou? 

A parceria que temos mantido com a Cercifaf na inclusão na nossa empresa de pessoas com deficiência. Costumo dizer a brincar que se um dia e por qualquer motivo os meus colaboradores decidissem ir todos embora, o Vítor seria o único a querer ficar! Alguém que fica em casa por estar doente e diz para à mãe “estou doente mas é por não ir trabalhar”, tem um valor incalculável! Positivo é também ser bem aceite por todos os colegas, que o ajudam na higiene e até lhe cortam barba e cabelo! Que orgulho tenho em todos eles! Também é uma questão de sorte, pois já tivemos casos problemáticos. Temos um ambiente fantástico!  

 

Se tivesses um conselho a dar a um jovem empreendedor perante o estado atual da Economia, qual seria?

Não existe idade para ser empreendedor! Aprender a ter conhecimento e a tomar decisões é a minha regra básica. Tem de se batalhar, arregaçar as mangas e ser inovador. Fartos de stands à margem da estrada e pastelarias em cada esquina estamos nós. Podem fazê-lo mas esforcem-se pela diferenciação e originalidade! Depois sejam responsáveis, sintam autoconfiança e mantenham o foco! E quando se escolher um sócio é fundamental que seja um sócio correto. Depois do “casamento” a separação só gera problemas. Eu nunca casei mas tive sócios…

 


Finalmente, transitando a nossa entrevista para uma parte mais pessoal, pretendia saber como te surgiu essa paixão pelos Desportos Motorizados?

Fácil! Sou de Fafe, da catedral dos ralis! E a maior parte dos meus amigos relacionam-se com as corridas e com os automóveis! Desde muito cedo que tive motos e automóveis. Tinha 11 anos e o meu Pai comprou a 2ª Casal Boss vendida em Fafe porque a 1ª tinha sido comprada pelo empregado do meu Pai, o Crespo, que umas vezes me emprestava e outras eu fugia! Então o meu Pai foi “obrigado” a comprar uma… Nunca tive carta! Os tempos eram outros… Ia para a escola nela, ainda muitos dos meus amigos não tinham bicicleta sequer. Depois fomos crescendo e vieram as fugas com os carros dos pais, normalmente durante a noite, era quase obrigatório fazer uns peões e uns saltos a fundo, como nos filmes! Eu nunca o fiz porque foi por essa altura que perdi o meu Pai, mas acompanhava os meus amigos tipo “navegador” ao ponto ter no meu curriculum 5 capotanços e em nenhum ir a conduzir!

Sou um amante dos clássicos! Tenho alguns de estrada e outros tantos de corrida. Faço um rali ou outro esporadicamente mas apenas por diversão. Os ralis requerem muito tempo para treinar, requer um copiloto disponível e uma outra estrutura que as provas de velocidade nada disto exigem. Na velocidade chegas ao circuito, descarregar tudo, treinos livres e treinos cronometrados (qualificações) no sábado e 2 corridas no domingo intercaladas entre várias categorias. Neste momento faço o Campeonato de Portugal Legends que está a servir de aprendizagem para que no próximo ano possa lutar pelo título na Taça 1300cc. Esse é o meu grande objetivo, vencer o campeonato nacional em 2021.

Um fim-de-semana de corridas é uma carga enorme de energia para 1 mês de trabalho. Sentas no carro, metes o capacete e não pensas em absolutamente mais nada que não seja competir! Felizmente que a minha vida o permite!   

 


Finalmente, tenho as seguintes perguntas e peço-te uma palavra ou frase pequena para cada uma delas:

Hobbies?

Campeonato Nacional de Velocidade e Todo-o-Terreno na vertente turística/gastronómica

Local de Férias preferido?

Alentejo

Adoras?

Os meus filhos

Detestas?

Maus tratos aos animais

Qual é tua música preferida?

O hino nacional! É o único que me trás lágrimas aos olhos! Depois The Cure e U2!

Prato preferido?

Pica-no-chão e cabrito na “pole position”

Restaurante preferido?

Quanto mais tasco melhor!

Desporto preferido?

Desde que tenha motor…

Qual é o teu clube?

Sport Lisboa e BENFICA

Se não fosses empresário, eras?

Em miúdo tinha uma especial admiração pela BT – Brigada de Trânsito (Lá está, os automóveis e as perseguições!)

Se tivesses a oportunidade de mudar algo no teu percurso profissional, seria o quê?

Sociedades só com a minha mulher e nem todas!

O que representa Fafe para ti?

Daqui não saio daqui ninguém me tira! Fafe são os amigos de sempre!

Se amanhã, fosses um eleito político local, que medidas no setor económico ou noutro implementarias?

A cidade desenvolve-se através de políticas de investimento e promoção. Talvez um gabinete de apoio ao empresário e ao empreendedorismo mediante um atendimento personalizado e disponível. A disponibilidade hoje em dia é uma coisa rara em determinadas entidades!

Qual é a tua regra de Ouro?

Não fazer aos outros o que não gosto que me façam a mim.

Há algo mais que gostarias de dizer, que não foi abordado?

Já não achas que parece um testamento!

Sem comentários:

Enviar um comentário